segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

"Construção" ou Amor em 4 Atos

Gostaria de aproveitar o momento, onde estréia   uma  minissérie  que transpõe para a linguagem televisiva , clássicos da obra de  Chico Buarque ,  para  ilustrar de uma forma simples sobre “ Construção “, música que o mesmo compôs em 1971. Diz a história  que  o homem forte da gravadora ao entregar a letra, num golpe de ironia e audácia, pediu que a proibissem; os censores, então, como que para contrariá-lo, liberaram sem cortes.
A letra possui um aspecto narrativo, além de um caráter cíclico e comparativo. A última palavra de cada verso,é sempre uma proparoxítona, o que torna o ritmo da música bem marcado e repetitivo. Os versos ,demonstram que o sujeito da canção é um homem, pai de família, que tem um grande laço com sua mulher e um indício de que possui vários filhos. Sugere ser de baixa condição social, devido ao andar tímido, e também pelo número de filhos. O desempenho no emprego é comparado a uma máquina, o que nos revela que o homem trabalha sem questionar o que faz. Pelo fato da letra ter sido escrita na época da ditadura, nos remete a pensar que Ele, ou faz aquilo que mandam ou é punido. O emprego está ligado à construção civil. Apesar de evidenciar temas de solidez o  sentimentalismo se faz presente em “ Seus olhos embotados de cimento e lágrima“ ou seja nos olhos do trabalhador , a frieza do cimento contrasta com a fraqueza das lágrimas, interessante paradoxo , algo que reflete o sofrimento dessa condição social. Fica evidenciado o alívio da hora do descanso, que é o sábado e o alcoolismo  desenhado em algumas frases. Podemos retirar também que o homem trabalha em um prédio tão alto que tropeçar de lá é quase como tropeçar do céu. E a música vai finalizando , assim como quando  fala  dos últimos momentos de vida do homem , após sua  queda . Nos últimos versos, vemos a indiferença do cidadão, que ao estatelar-se no chão, a única preocupação que ocorre por parte do publico que ali estava foi em relação ao trânsito, como se um objeto tivesse caído e não um pai de família. A contradição existente é que dentro de casa o homem é o líder, mas na rua é um sujeito qualquer, um parafuso da engrenagem capitalista. E quando diz que morreu na contramão atrapalhando o sábado, entende-se que o descanso do publico foi atrapalhado pela morte do trabalhador. No arranjo da musica, percebe- se que a ultima estrofe é de um modo mais acelerado, com sons vindo de todos os lados. Esse efeito gera uma confusão, um desnorteamento que ilustra a vida sem rumo daquele trabalhador. O que mostra que isso é comum, com a repetição das estrofes, e acontece com vários trabalhadores por aí, invisíveis à sociedade.




Construção - Chico Buarque
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico

Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina

Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague






Construção - Chico Buarque by dennydesign

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